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Francisco Pinto Balsemão: «O Partido está vivo. Há iniciativas, há gente nova que se interessa pela política»

Francisco Pinto Balsemão: «O Partido está vivo. Há iniciativas, há gente nova que se interessa pela política»

06 de Maio de 2015

«O Partido está vivo. Há iniciativas, há gente nova que se interessa pela política»

Entrevista a Francisco Pinto Balsemão publicada na edição especial do Povo Livre, de 06 de Maio de 2015

É o militante número 1 do Partido Social Democrata. A expressão é mais do que uma formalidade. É também um reconhecimento do Partido que ajudou a fundar. Foi primeiro-ministro, sucedendo a Sá Carneiro; presidente do PSD e deputado da Ala Liberal; bateu-se pela Democracia antes sequer de esta andar nas bocas do povo. Defendeu uma Constituição melhor e mais justa (e as suas revisões). Bateu-se pela liberdade universal para a comunicação social e o direito fundamental do acesso à informação. A coragem que lhe reconhecemos nesses momentos históricos e a luta obstinada pelos ideais é a maior herança que deixa ao PSD e a Portugal. Foi um precursor no jornalismo em Portugal, primeiro fundando o “Expresso” em 1973, depois com o lançamento da primeira estação de televisão privada, a SIC, em 1992. Lidera o maior grupo privado de “media” em Portugal. Mas foi na qualidade de presidente da Comissão Coordenadora das Comemorações dos “40 anos do PSD, 40 anos de Democracia” que Francisco Pinto Balsemão recebeu o “Povo Livre” e a PSD@TV, no seu escritório, na Lapa, em Lisboa. Lá ao fundo, vê-se o rio Tejo e a Ponte 25 de Abril.

Como eram os momentos da fundação do PSD? Como surgiu a ideia de fundar um partido político?
Havia todo um “histórico” representado por aquilo que tínhamos feito e construído na Assembleia Nacional de então, em que aquele grupo de deputados designado de “Ala Liberal” acabou por vir a ser um pequeno partido de oposição dentro de um parlamento monolítico. Tínhamos apresentado vários projectos, entre os quais um de revisão constitucional, e alguns de nós – nomeadamente o Dr. Sá Carneiro – já tinham dito que se pudessem fundariam um partido de inspiração social-democrata. Leia-se “social-democrata” à semelhança do SPD alemão. Aparecendo o 25 de Abril, os acontecimentos precipitaram-se, foi preciso tomar posições muito rapidamente e o Dr. Sá Carneiro, numa entrevista que deu à RTP, anunciou a criação de um partido. 

Eu, no dia seguinte, dei também uma entrevista confirmando que o faríamos. O Partido foi anunciado a 6 de Maio, muito pouco tempo depois do 25 de Abril. Naquela altura não havia aqueles formalismos todos das assinaturas, etc. A legalização veio bastante mais tarde. Tivemos alguma dificuldade em encontrar o nome inicial. Como sabe, ficou Partido Popular Democrático, porque já havia pintados nas paredes dois partidos com nomes parecidos ao que queríamos: o Partido Social Democrata Independente e o Partido Cristão Social Democrata. Entendemos que isso ia criar a maior das confusões e tivemos de desistir numa primeira fase, chamando PPD ao futuro PSD. Fizemos um “brainstorming” como agora se diria por telefone com o Francisco Sá Carneiro, no Porto, e eu mais o Ruben Andresen Leitão e outras pessoas no meu gabinete no “Expresso”. Começámos a sugerir nomes e o Ruben, que era um grande intelectual, um grande escritor, saiu com Partido Popular Democrático. Eu transmiti para o Porto… e o Dr. Sá Carneiro gostou, eu também, e ficou assim.

«Aquele grupo de deputados designado de “Ala Liberal” acabou por vir a ser um pequeno partido de oposição dentro de um parlamento monolítico»


Que comentário faz aos que entendem que o Partido mudou? 
Acho que o Partido mudou, com certeza, como também o País mudou e o mundo mudou. Mal de um partido que fique estagnado naquilo que era há 40 anos. Uma instituição é uma ideia e um empreendimento que se prolongam no tempo, além das pessoas que a cada momento a integram. E para se prolongar no tempo tem de se adaptar às circunstâncias. Há uma matriz social-democrata, há valores - a igualdade, a liberdade, a solidariedade. São valores eternos da social-democracia, mas a maneira como esses valores são interpretados, ou as medidas que se preconizam para tentar alcançá-los é que têm de ir variando conforme as circunstâncias. Por exemplo, há 40 anos não havia Internet e muito menos redes sociais. Temos de ter isso em conta.

Teve algum episódio marcante em que tenha passado medo durante a ditadura ou no período mais conturbado a seguir ao 25 de Abril?
Medo é uma palavra que eu não gosto muito de pronunciar, não que seja valente e fanfarrão. Mas tive algum receio quando fui chamado, pela segunda vez, pelo mesmo assunto à PIDE e em que fiquei lá umas 10 ou 15 horas. Nada comparado ao que tanta gente sofreu. Gente torturada, tortura do sono, prisão sem julgamento, [prisão] preventiva durante meses, etc. Mas, na altura, tive receio do que me pudesse acontecer por qualquer coisa que a PIDE achasse que eu tinha feito ou não tinha feito. E depois, durante o chamado PREC, todos nós que andámos a implantar o Partido pelo País não sabíamos muito bem como é que algumas situações iam acabar. Desde grandes comícios invadidos com grande pancadaria à séria lá dentro até pequenas sessões de esclarecimento em vilas do interior – salas de lotação reduzida, 80, 100 pessoas – pelas coxias dessas salas eram atiradas enormes pedregulhos, que faziam um barulhão. Os cobardes depois fugiam. Ninguém estava à espera e isso intimidava as pessoas. E quem tinha a responsabilidade daquelas reuniões, fossem grandes ou pequenas, ficava com a sensação de falta de segurança organizada para fazer frente a tais ataques. Isso era bastante preocupante. Ao longo do PREC tive vários avisos de amigos militares que me diziam para não dormir em casa. Quando dormia em casa, que foi a maioria das vezes, tinha uma pistola no carro. A minha mulher, quando chegávamos perto de casa, engatilhava; quando chegávamos a casa passava-me o revólver. Eu saía, ela olhava, eu protegia a entrada dela, entrava, ela fechava a porta. Isto contado parece uma coisa de cinema. A primeira vez é até uma coisa excitante, mas à quinta vez já se faz como qualquer outra rotina. E por aí fora. Quando puseram uma bomba no meu carro em Janeiro de 1975, dentro da propriedade (o carro estava no jardim), não gostei nada. Ainda por cima, eu não estava cá. Estava no Canadá, junto das comunidades portuguesas, a fazer campanha pelo PSD. Estava muito longe, irritou-me solenemente e temi pela segurança da minha família. Enfim, todos nós passámos por isso, mas valeu a pena!

O que significa ser o militante n.º 1?
Significa uma responsabilidade muito grande! É claro que o primeiro de todos nós é Francisco Sá Carneiro. Nunca podemos esquecer que ele é a grande referência, e uma referência que permanece muito actual. Mas o facto de entre os três fundadores eu ser o único vivo dá-me essa responsabilidade. É também uma honra e, por isso, procuro desempenhá-la com algum afastamento, que é o dever de quem já saiu da política activa. Mas também com empenho, sempre que me são solicitadas tarefas que eu entendo poder e dever aceitar.

O PSD é um projecto que continua válido?
O PSD é um projecto que continua válido, como demonstra a escolha dos eleitores ao longo de todos estes anos. É um projecto que tem o valor de ser um partido muito português, fundado em Portugal sem grandes raízes nas internacionais partidárias que existem pelo mundo. Ao mesmo tempo, por ser social-democrata, é um partido pragmático. Não está enfeudado em ideologias cristalizadas.

E eu acho que é nesse sentido que temos de apostar, pensando que a social-democracia no século XXI é diferente, apostando por exemplo no ambiente – como temos sempre apostado – na economia verde, na economia azul, e tentando apresentar e implementar medidas que corrijam as desigualdades sociais, que permitam a inclusão de pessoas, que, por razões financeiras e territoriais, estão privadas de uma igualdade de oportunidades à partida. Esse é o desafio que permanece, para o qual os sociais-democratas têm soluções e que, espero, continuem a dar a sua preferência eleitoral ao PSD, para que as possa executar. Veja-se o bom trabalho que o Partido fez nestes quatro anos, em que Portugal estava numa situação muito perigosa, quase a atingir o caos, e em que houve uma recuperação enorme. Essa recuperação agora tem de servir para continuarmos o nosso caminho, a nossa rota, modernizando a democracia em geral e aplicando-lhe os valores da social-democracia actualizados.

Após a consolidação do regime democrático, que momento elege como o mais marcante da nossa história política? E como o viveu?
Para mim teve muita importância a concretização representada pela revisão constitucional de 1982. Era eu presidente do Partido e Primeiro-Ministro, razão pela qual estou muito ligado a esse momento. Depois disso, houve vários momentos. Há um que ficará na História de Portugal, entre outros, que foi a nossa adesão plena à então Comunidade Económica Europeia.

Que balanço faz das comemorações dos 40 anos do PSD?
Acho que não devia falar ou fazer elogios em causa própria. Aliás, o mérito nem é meu. O mérito é da comissão organizadora, criada para esse efeito e que integrou os quadros e órgãos do Partido. Eu penso que houve uma revitalização do PSD, que era importante. Houve um reencontro. Fomos chamar pessoas que estavam um pouco afastadas, por uma razão ou por outra, e que voltaram a juntar-se, a participar, a acreditar. Isso é muito importante para um partido que quer estar vivo e actuante. Foi uma lição, porque tendo estado muito afastado do dia-a-dia, desta vez tive de me aproximar. Fi-lo com muito gosto. Verifiquei que o Partido está vivo.

Há eleições, há iniciativas, há gente nova que se interessa pela política. Houve milhares de novos militantes inscritos neste último ano. Isso deu-me um enorme prazer e a certeza de que vamos continuar a ser um dos maiores, senão o maior partido português.

«O Partido mudou, com certeza, como também o País mudou e o mundo mudou. Mal de um partido que fique estagnado naquilo que era há 40 anos.»

Qual o contributo da social-democracia para o século XXI?
Acho que já respondi em parte a esta pergunta, quando disse que há um conjunto de medidas relacionadas que têm a ver com o que estamos a viver. Dei o exemplo da economia verde (o ambiente), da economia azul (o mar), onde há muito a fazer. 

E, em termos mais genéricos, dei o exemplo da procura da justiça social, corrigindo o sistema de Segurança Social, apostando na necessidade de preparar o futuro dos que agora são jovens. Devemos insistir na necessidade de dar condições de igualdade à partida. Uma pessoa que nasça no nordeste português, numa ilha dos Açores, não pode ter menos oportunidades que uma pessoa que nasça em Lisboa ou no Porto. 

E proporcionando a todos os portugueses essa igualdade, podemos conseguir que o país seja mais competitivo, que as nossas empresas consigam mais exportações, como forma de aumentar a riqueza e o emprego. Falando de emprego, atacando o problema grave que continua a ser o desemprego. O actual Governo conseguiu travar o agravamento que se estava a notar em todos os índices de desemprego, mas precisamos de baixar o desemprego ainda mais. 

Essa é uma tarefa que precisa de um Estado mais ágil. Não precisa de ser mínimo. Nós nunca defendemos o Estado mínimo, mas precisa de ser mais ágil, mais capaz de encontrar soluções para o imediato bem-estar das pessoas, através da criação de empregos. Eu julgo que isso pode ser feito, estará a ser feito e vai ser feito se durante mais quatro anos o PSD estiver no governo.

«Houve milhares de novos militantes inscritos neste último ano. Isso deu-me um enorme prazer e a certeza de que vamos continuar a ser um dos maiores, senão o maior partido português.»

Como olha para Portugal? O que o preocupa?
Preocupa-me que a democracia esteja, em alguns aspectos, enfraquecida. Já devíamos ter uma nova lei eleitoral que aproximasse os eleitores dos eleitos. Não foi possível atingir isso. Há cada vez mais abstenção e ela resulta do desinteresse de uma parte demasiado elevada da população. É preciso interessar os que se abstêm. Por exemplo, as redes sociais, o voto electrónico, são maneiras importantes de chegar aos cidadãos e convencê-los que um bom cidadão deve ser também um eleitor fiel e constante.

Há esperança?
Há esperança, com certeza que há. O futuro é mais importante que o passado. Temos de tirar lições das comemorações destes 40 anos do PSD, mas o futuro é muito mais importante que o passado. E o futuro passa pelas pessoas, pelo respeito da pessoa humana. Não há soluções mecânicas ou abstractas. Há soluções que vão directamente às necessidades e aos objectivos de cada um de nós.

Qual foi a decisão mais difícil que tomou na sua vida?
Foi aceitar suceder ao Dr. Sá Carneiro como primeiro-ministro em circunstâncias trágicas. Não estava nas minhas perspectivas continuar na política de forma activa. Já tinha conversado sobre isso com o Dr. Sá Carneiro em Outubro ou Novembro de 1980, dizendo-lhe que não quereria ficar no Governo.

O que lhe vem à cabeça perante as seguintes palavras? Constituição.
1976.

Europa.
Bruxelas.

Jornalismo.
Liberdade.

Ética.
Indispensável.

Família.
O melhor que há.

Bateria (instrumento musical).
Uma grande companheira.