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O pensamento de Francisco Sá Carneiro no combate à ditadura

O pensamento de Francisco Sá Carneiro no combate à ditadura

04 de Dezembro de 2014

Entrevistas e artigos de opinião anteciparam criação do PSD

A fundação do PSD no dia 6 de Maio de 1974 representa uma etapa histórica na construção da Social-Democracia em Portugal.  A sua base foi sendo cimentada a partir de 1969 com a intervenção política activa de várias personalidades que aceitaram integrar as listas de candidatos a deputados e assim iniciar a luta pela democratização política, económica, social e cultural.

Francisco Sá Carneiro explicou em 1973 através do Jornal do Fundão que aceitou assumir este desafio por entender que existiam condições “para que, sem violência nem desordens, o regime evoluísse para um liberalismo político”. 

O próprio significado do “ser liberal” foi explicado por Francisco Sá Carneiro ao Comércio do Funchal, em 1971: “[É acreditar que] jamais os direitos da pessoa humana podem ser subordinados aos da sociedade, que constitui para o homem um meio de realização pessoal”.

A constituição da Ala Liberal com Francisco Pinto Balsemão, Joaquim Magalhães Mota, José Pedro Pinto Leite e João Bosco Amaral, entre outros, permitiu iniciar a luta pela democratização política da sociedade segundo o modelo ocidental, pela resolução da guerra colonial em respeito pela autodeterminação dos povos e por um projecto de revisão constitucional que consagrasse liberdades, direitos e garantias individuais e o fim da censura.

Francisco Sá Carneiro destacou-se pela coragem física e política com que lutou por estas causas, nomeadamente pela liberdade. É esse o mote da entrevista que concede à Flama em 1971: “Qualquer espécie de progresso depende do reconhecimento efectivo dos direitos e liberdades da pessoa: sem ele não vale a pena julgar que andamos para a frente”. 

A renúncia ao cargo de deputado em 1973 resultou da impossibilidade da sua consagração constitucional, conforme explicou na sua habitual coluna Visto no Expresso: “A participação é impossível sem o pluralismo, ou melhor sem o seu reconhecimento e consagração nas instituições e nas leis, já que ele é consubstancial aos homens”.

Estava assim clarificado o caminho para a construção de uma proposta política concreta na área da Social-Democracia, tendo a antecipação da criação do PSD ficado clara numa entrevista concedida em 1971 a Jaime Gama, então jornalista do República: “Se amanhã me pudesse enquadrar em qualquer partido, estou convencido de que, dentro dos quadros da Europa Ocidental, comummente aceites, iria mais para um partido social-democrata”.

A defesa das liberdades individuais 

07 de Junho 1971, Flama

Qualquer espécie de progresso depende do reconhecimento efectivo dos direitos e liberdades da pessoa: sem ele não vale a pena julgar que andamos para a frente. Resulta daqui que o primeiro assunto da convocação extraordinária sobreleva e condiciona os dois outros (...) Em suma, a próxima sessão extraordinária será para o regime e para as perspectivas de progresso do País uma verdadeira “hora de verdade”.

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O que significa ser liberal 

20 de Junho de 1971, Comércio do Funchal 

Ser liberal significa hoje, para mim, crer que jamais os direitos da pessoa humana podem ser subordinados aos da sociedade, que constitui para o homem um meio de realização pessoal. É o oposto da concepção transpersonalista ou totalitária. Nesse sentido sou liberal. Não admira, pois, que dentro da A. N. haja mais pessoas que perfilhem esses pontos de vista, não apenas no plano dos princípios até hoje infrutíferos, mas sobretudo na tentativa de os pôr em prática, ou seja no campo político. Mas não existe partido, nem sequer grupo formado e disciplinado. Cada um vota como entende e por vezes opostamente. como se tem visto, embora haja iniciativas comuns e princípios básicos aceites por vários.

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A antecipação da criação do PSD 

15 de Dezembro de 1971, República

Os conceitos de catolicismo progressista e de democracia cristã são bastante equívocos para mim - e não aceito enquadrar-me em qualquer deles. Entendo que os partidos políticos - que considero absolutamente indispensáveis a uma vida política sã e normal - não carecem de ser confessionais, nem devem sê-lo. Daí que não me mostre nada favorável, nem inclinado, a filiar-me numa democracia cristã. É evidente que a palavra pode não implicar nenhum conceito confessional e nesse sentido apresentar-se apenas como um partido que adopte os valores cristãos. Simplesmente, em política, parece-me que os valores não têm que ter nenhum sentido confessional e, portanto, se amanhã me pudesse enquadrar em qualquer partido, estou convencido de que, dentro dos quadros da Europa Ocidental, comummente aceites, iria mais para um partido social-democrata.

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Os motivos da renúncia ao cargo de deputado 

03 de Fevereiro de 1973, Expresso

A participação é impossível sem o pluralismo, ou melhor sem o seu reconhecimento e consagração nas instituições e nas leis, já que ele é consubstancial aos homens; não há sociedades naturalmente monolíticas. A diversidade de opiniões é inerentes à sociedade dos homens. O monolitismo ideológico, as verdades indiscutíveis, os princípios absolutos são sempre artificiais e por isso impostos pelo autoritarismo que os gera e aplica.

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As razões da candidatura de 1969

21 de Outubro de 1973, Jornal do Fundão 

- Quais as razões que o levaram a candidatar-se a deputado, em 1969?

- “Essencialmente, foi a consciência de que tinha o dever de, por esse meio, procurar contribuir para a alteração de um estado de coisas com que não concordava, que se me afigurava nocivo e inaceitável. Entendia, e entendo, que a situação política que ao tempo vigorava, e que hoje se mantém fundamentalmente inalterada, não assegura um convívio humano justo, nem possibilita às pessoas a sua realização. Era o regime que a si próprio se definia como antiliberal, antidemocrático e autoritário. Eu entendia que devíamos trabalhar para que, sem violência nem desordens, o regime evoluísse para um liberalismo político, para a democracia institucionalizada, para a repartição da riqueza e para a participação de todos os portugueses nos bens económicos e culturais, mercê, nestes aspectos, de um intervencionismo económico gerador de justiça social. Por isso e para isso me convidaram. Pelas mesmas razões aceitei.