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Pedro Passos Coelho: “Os últimos anos foram um grande teste a todo o País”

Pedro Passos Coelho: “Os últimos anos foram um grande teste a todo o País”

04 de Dezembro de 2014

O Presidente e Primeiro-Ministro concedeu uma entrevista exclusiva ao “Povo Livre” e à PSD@TV. Um testemunho directo de Pedro Passos Coelho, sobre alguns momentos pessoais e políticos que se cruzam com a história do Partido. E também um olhar sobre o futuro. 

Qual o significado histórico de comemorar a fundação do PSD associada ao nascimento da Democracia em Portugal?

É uma coincidência muito feliz, porque significa que nascemos com a Democracia. Houve partidos que nasceram uns tempos antes. É o caso do Partido Socialista, que nasceu cerca de um ano antes. O Partido Comunista nasceu muito antes disso e tem uma natureza muito diversa. O PSD foi um partido que nasceu com a liberdade, com a Revolução de 25 de Abril, pelo que temos a felicidade de poder comemorar exactamente a mesma idade.

Significa, portanto, que, sendo um dos grandes partidos de Portugal, com responsabilidades de governo ao longo destes 40 anos, é legítimo dizer-se que a história da democracia em muitos aspectos se confunde com a história do PSD e vice-versa. É uma feliz coincidência.

A história da Social-Democracia antes do 25 de Abril e o papel de alguns dos fundadores do PSD nesse período pode ser mais bem integrada na História contemporânea de Portugal?

Eu diria que, efectivamente, faz parte da História portuguesa. E, de certa maneira, podemos dizer que apesar de o PSD ter nascido apenas em Maio de 1974, depois da Revolução, na verdade os seus fundadores tiveram uma intervenção política relevante antes de 1974. E talvez se possa dizer mesmo que uma parte do pensamento que está vertido nas linhas fundamentais do PSD – ou do PPD, como ele nasceu – são linhas muito marcadas pelo pensamento político dos seus fundadores, e em particular, do seu fundador “Número 1”, o Dr. Francisco Sá Carneiro. 

O PSD teve, de certo modo, uma espécie de nascimento ideológico antes do seu nascimento institucional em 1974. Podemos dizer que a acção anterior ao 25 de Abril, protagonizada por Sá Carneiro, 

Francisco Balsemão, e outros militantes que fundaram o PSD, teve um rasto de pensamento político e de acção política que marcaram o nascimento institucional do PSD e materializou a expectativa que tinha sido gerada em torno da participação política desses fundadores no nascimento do PSD. 

O PSD quando nasce em 1974, nasce arrastado por essa acção política, por esse pensamento político difundido por alguns dos seus fundadores através da acção que desenvolveram antes de 1974.

Quais são as dimensões que considera mais actuais no pensamento político de Francisco Sá Carneiro?

Há muitas dimensões importantes, mas creio que há uma frase, repetida por ele várias vezes, que mantém a actualidade e eu espero que a mantenha por muitos anos, porque é a máxima que mais nos guia. Ele dizia que uma verdadeira democracia não se limita ao plano político, a democracia tem de ser política, económica, social e cultural. Precisamos de cultivar uma sociedade que ofereça reais oportunidades a todos. É o sentido mais pleno de levar a democracia a todos. Não se trata apenas de uma democracia política, onde os cidadãos escolhem livremente os governos e as políticas que são realizadas, não tendo de viver num modelo totalitário; mas em que também possam participar da mesma maneira democrática em termos de bem-estar, na geração de riqueza, na distribuição dessa riqueza, no acesso à mobilidade social que lhes permita vencer as dificuldades de partida, por terem nascido com menos rendimento, com menos acesso à cultura, à educação. Portanto, uma fruição democrática plena está além da democracia política. E nós, quarenta anos depois do 25 de Abril, continuamos a ter esse desafio. Basta verificar que Portugal continua a ser um dos países em que a distribuição do rendimento é mais assimétrica e em que uma riqueza significativa está nas mãos de muito poucos. Precisamos de avançar mais e mais fundo para ter, como Sá Carneiro desejava, uma democracia económica e social. E, se tivermos estas, tenho a certeza de que teremos também uma democracia cultural.

O PSD teve, de certo modo, uma espécie de nascimento ideológico antes do seu nascimento institucional em 1974

Os momentos de crise económica têm constituído os principais testes à Social-Democracia?

Eu creio que estes últimos anos foram um grande teste a todo o país. Não foi à social-democracia ou ao PSD em particular. Nestes anos, os portugueses passaram por dificuldades muito sérias, que estão relacionadas com a situação extremamente grave que enfrentaram no seu conjunto quando, em 2011, o anterior governo teve de solicitar a intervenção externa sustentada pelo Fundo Monetário Internacional e pelos nossos parceiros europeus, através da Comissão Europeia e do Banco Central Europeu. Fê-lo, evidentemente, numa situação já “limite”; numa situação em que a nossa autonomia estava em causa, em que os nossos recursos não eram suficientes para honrar as nossas responsabilidades, quer as externas, quer as internas: o pagamento de salários, as pensões... Era a solidez do Estado Social que estava em causa no curto e no médio prazos, se não tivéssemos conseguido obter o apoio externo que permitisse fazer as reformas que fizemos e ter corrigido os desequilíbrios profundos de natureza económica e financeira que acumulámos durante vários anos. Portanto, estes anos foram um teste à nossa democracia, à nossa resiliência como povo e foram tempos muito desafiadores para todo o país e todos os portugueses. Claro que, para um partido como o PSD, que está habituado, ao longo destes quarenta anos de democracia, a colocar o país à frente de tudo, este foi também um teste muito importante. Até porque muitas vezes os partidos tendem a ter preocupações de outra natureza, preocupações mais imediatas, preocupações com a reacção das pessoas às medidas mais impopulares, apesar de necessárias. Isso nota-se quando preparam eleições próximas, e nós tivemos eleições autárquicas e europeias. O PSD perdeu ambas as eleições. Sem deixar de ser um grande partido, a verdade é que também pagou um preço eleitoral por ter tido a responsabilidade de realizar o que era necessário para que o programa de assistência económica e financeira pudesse ser fechado com sucesso. Sim, é verdade que estes anos foram também um teste à nossa determinação e à nossa natureza. Mas como sei que o PSD nasceu assim e não deixou de ser assim, acho que superámos bem esse teste.

Quer contar-nos alguma história marcante destes quarenta anos? Há algum momento que queira destacar?

Do ponto de vista pessoal, o momento mais marcante terá sido o meu regresso a Portugal, em Setembro de 1974, vindo de Angola. Foi a mudança mais impressiva do ponto de vista pessoal. Todas as outras mudanças ocorreram quando eu tinha uma idade mais avançada e este foi, digamos, o primeiro grande choque e grande mudança que teve lugar na minha vida. Mas tive, ao longo destes quarenta anos muitos episódios que estão relacionados com a minha participação política, e com a história política do PSD e da JSD, onde comecei a militar desde bastante cedo. Eu julgo que os principais momentos em Portugal foram aqueles que simbolicamente estão associados à institucionalização de uma democracia ocidental com uma economia social de mercado. 

Depois do 25 de Abril, esses momentos foram o 25 de Novembro, que nos permitiu ultrapassar o “Verão Quente de 75” e a tentativa totalitária que se esboçou a seguir à Revolução, firmando-se um modelo europeu e não se outra índole. A seguir a isso, as primeiras eleições democráticas, em 1976, em que se elegeu o Parlamento, o Presidente da República, as Autarquias Locais. Foram eleições democráticas muito importantes. Depois a primeira maioria absoluta conquistada pelo Dr. Francisco Sá Carneiro, em conjunto com o CDS e com os Reformadores (primeiro) e com Partido Popular Monárquico, mais tarde. Foi a primeira vez, depois do 25 de Abril, que uma solução de governo dispôs de maioria absoluta no Parlamento. Isso não propiciou um governo tão estável como teríamos desejado, durou dois anos, mas só aconteceu devido a um acidente muito trágico em que o Primeiro-Ministro perdeu a vida. 

Estamos todos convencidos de que se isso não tivesse acontecido talvez a História teria sido escrita de outra maneira. Depois veio a primeira grande Revisão Constitucional, feita em 82, que permitiu extinguir o Conselho da Revolução e normalizar a situação democrática no país. A seguir a isso, o segundo resgate que solicitámos ao exterior - o primeiro tinha sido em 1978, mas com uma relevância menor. Mas após 1982, no período entre 1983 e 1985, vivemos um momento também difícil, em que tivemos de solicitar o apoio externo através do Fundo Monetário Internacional. Depois a primeira eleição, que permitiu que um único partido tivesse uma maioria absoluta sozinho. 

E os dez anos que se seguiram a essa escolha. Foram oito anos de maioria absoluta completados pelos dois anos de maioria relativa e que de certa maneira marcaram o período de maior desenvolvimento que o país conheceu, coincidindo com a nossa adesão à então Comunidade Económica Europeia. 

Eu creio que estes foram os factos mais marcantes. Mais recentemente, temos de reconhecer o que aconteceu entre Abril e Maio de 2011, em que tivemos de pedir uma ajuda externa de enorme dimensão, dada a extrema dificuldade que o país viveu. Isso aconteceu bem perto de comemorarmos os nossos 40 anos. Conseguimos comemorá-los, felizmente, no mesmo ano em que saímos do processo externo, assinalando o fim do memorando de entendimento com a “troika”.

Eu gosto de acreditar que a liberdade nasce connosco, por mais limitações que tenhamos de enfrentar

E para os próximos 40 anos, o que espera do Partido? E do País?

É muito difícil fazer antevisões a essa distância. Mas olhando hoje para trás, creio que estes quarenta anos correram muito depressa. Quando olho para eles, eu que os vivi muito de perto, encontro uma diferença muito grande entre o país que me lembro de ter conhecido há quarenta anos e aquele que temos hoje. Portugal é hoje um país muito mais desenvolvido, com um PIB “per capita” muito maior. Podemos dizer que somos um dos países do mundo com melhor Serviço Nacional de Saúde e isso é importante para o nível de progresso que podemos registar numa sociedade. Temos hoje um país com um acesso à escolarização e ao ensino superior que está ao nível da média dos países ricos. Portanto, o país evoluiu consideravelmente. É um país enraizadamente mais democrático e plural, mais desenvolvido. Mas ainda temos muitos problemas para resolver, como se viu quando tivemos de recorrer à ajuda externa, há três anos atrás. Temos uma inserção no mundo com uma importância redobrada, pois apesar de sermos um país periférico na União Europeia estamos no centro de continentes, o que faz de nós uma porta de ligação muito importante da Europa com a América, com África e até com a Ásia. O que significa, portanto, que temos novamente a possibilidade de nos recentrarmos neste mundo global em que vivemos. Precisamos de resolver problemas estruturais grandes, como estamos a fazer, e eu espero que os próximos quarenta anos possam mostrar que Portugal pode ser um dos melhores países do mundo para viver. Um país mais justo, com uma democracia económica, social e cultural muito mais plena do que temos hoje. 

Devemos pois usar os próximos quarenta anos para poder beneficiar de um progresso ainda mais acentuado, desde que possamos aprender com os nossos erros. O país passou por situações com as quais precisa de aprender muito – e eu creio que tem aprendido – para progredir ainda mais do que progrediu nestes primeiros quarenta anos democráticos.

Para finalizar, em cada uma das seguintes palavras, pedimos-lhe uma pequena frase, um comentário rápido. Começamos com Portugal.

É o meu país!

África.

África foi todo o sonho da minha infância e onde tive uma infância muito feliz. Quando lembro África, recordo-me de uma grande felicidade e tenho uma esperança muito grande que seja não um continente esquecido mas um continente que também possa progredir nos próximos quarenta anos.

Amigos.

São sempre poucos, mas fazem muita falta.

Liberdade.

Não sei se a liberdade nasce com os homens. Há quem diga que sim. Eu gosto de acreditar nisso, que a liberdade nasce connosco, por mais limitações que tenhamos de enfrentar. E vive muito na nossa alma, na nossa cabeça também. Não vive apenas nas circunstâncias que defrontamos e que às vezes lhe impõem restrições muito grandes. A liberdade pode ser sempre maior quando a queremos ampliar e nunca pode transformar-se num estorvo para outro ser humano. Tem, portanto, de ser também um espaço de responsabilidade.

Francisco Sá Carneiro.

É uma referência política muito importante em Portugal e, ao longo da minha existência, tem sido a principal referência política dentro do país.