Viana e as promessas para a modernidade
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18 Julho 2014
Distrito: Viana do Castelo Autor: António Roleira Marinho

Viana e as promessas para a modernidade

Tudo começou por aqui, a cidade, com os seus homens mais preparados que, por afinidades de amizade, de vizinhança, de profissão e de sentimentos de proximidade, se foram agrupando. Com um ou outro elemento funcionando como fermento, vindos do Porto, foram delineando a estratégia de alargar os contactos pelos nossos 10 concelhos, recrutando um ou outro elemento com alguma preponderância local, que depois seria lançando as suas redes e construindo um tecido mais coeso, a partir do qual se juntaram vontades e se constituíram os núcleos, melhor dizendo, os grupos locais.

Efectuada esse primeira sementeira, depressa se espalhou a mensagem e se alargou a base de apoio, surgindo de todo o lado o interesse na realização de reuniões, comícios, festas ou manifestações, não só para divulgação do ideal social-democrata e de marcação das diferenças em relação às outras formações políticas, mas também para saber quem eram os actores, isto é os dirigentes regionais e nacionais, e os que, pelas nossas terras se mostravam disponíveis e dispostos a dar a cara e, por outro lado, face ao número de carências em que se vivia, quais as respostas. Se calhar, melhor dizendo, quais as promessas que avançávamos para a modernidade que parecia surgir ao virar da esquina.

Alguns dos presentes lembrar-se-ão, passados estes 40 anos, da primeira grande manifestação em frente à primeira sede do PSD, ali na rua Martim Velho, com a presença do saudoso Francisco Sá Carneiro, onde nem sequer faltaram os tiros pelas redondezas, as correrias, as pauladas, os cortes de luz. Mas nada disso fez dispersar os presentes. Ou aquele outro comício no velhinho Sá de Miranda, com a presença de Emídio Guerreiro, o dirigente vindo da tal “esquerda caviar”, mas sem dúvida um oposicionista com espírito revolucionário e que nos fez viver muitos momentos de alta tensão. Foi um baluarte na defesa intransigente da liberdade e da afirmação do PPD em momentos muito difíceis, mexendo naquilo que era o centrismo do PPD, provocando acesas discussões internas e externas no Partido, e isto até no exacto momento em que assume a presidência do PPD, após um Conselho Nacional que se prolongou por 24 horas. Tratava-se de substituir Sá Carneiro, que logo a seguir partiria para Londres por questões de saúde. Apresentavam-se três potenciais candidatos ao lugar: Magalhães Mota, o favorito; Sá Borges, com apoios maioritários; e Mota Pinto, o candidato do consenso. Após a primeira votação sem maiorias absolutas, Mota Pinto retira a sua candidatura; avança Emídio Guerreiro, que após três ou quatro voltas de escrutínio, acaba por ser eleito. E sabem que Emídio Guerreiro nunca foi militante inscrito no PSD, como relata Marcelo Rebelo de Sousa nas suas memórias? Só mesmo no nosso Partido!

Dizia Emídio Guerreiro: “este é o meu Partido, porque aqui até os sem razão, têm razão”. Ou: “no PPD não há direito de não ter direito.” Mas voltemos ao nosso distrito. Recordo aquela gigantesca manifestação em frente ao quartel do ex- BC9, hoje instalações sociais do Instituto Politécnico, ali à frente, em final de tarde outonal e chuvosa, no ano de 1975. O PPD tomou posição contra o militarismo ditatorial do Coronel Corvacho, próximo do PCP, e a favor do carismático Coronel Pires Veloso, que seria mais defensor dos valores da liberdade e da Democracia... Também estava em causa o comando da região militar norte. E verificava-se o crescendo do PCP na via revolucionária. Neste encontro, usaram da palavra com veemência Pedro Rocha, Manuel Ribeiro, o dr. Freitas e o saudoso Abel Carneiro. Depois de muitas palavras de ordem, e sempre debaixo de chuva, com abrigos ou sem eles, ninguém arredou pé seguindo em desfile até à Praça da República. Aí, já de noite, ouviram-se novamente inflamadas palavras de protesto reclamando “liberdade, liberdade!”, quase obrigando a própria calçada a gritar slogans.

Se estas foram manifestações na cidade, que dizer de tantas outras pelo distrito fora? Em Barroselas, por exemplo, comandados por Oliveira Amaral, em momentos de emergência, reunimos num quase palheiro, à luz de um Petromax (e era um luxo na época o candeeiro a gás). Foi como que uma reunião política distrital na clandestinidade, pois havia que delinear estratégias e começava a faltar segurança. Nas sedes de concelhias, quase sempre aconteciam rocambolescos episódios com consequências às vezes mais radicais, como em Vila Nova de Cerveira, onde, no primeiro encontro-comício realizado, à porta do armazém que servia de abrigo para as pessoas, foi incendiado um automóvel dos nossos apoiantes. Embora, por estranho que pareça, até hoje nunca se provou se isso foi ou não uma provocação. A nossa improvisação era total. Logo aí, nesse comício, eu próprio atrevi-me a esta tirada: «o PPD dá-nos isto, mais aquilo e aqueloutro». E então, o nosso saudoso companheiro Leite de Castro de imediato rectifica. «Aquilo que o Roleira Marinho queria dizer era que o PPD propõe-nos esta ou aquela via, este ou aquele percurso, e é por esses valores e por esses caminhos que haveremos de caminhar».

No concelho de Caminha houve de tudo. No comício realizado no velho teatro, as provocações foram tantas que se chegou ao confronto físico. Em Vila Praia de Âncora, em cujo comício só falei eu porque era o primeiro escalado, tivemos a sala invadida e só saímos escoltados por militares vindos da Póvoa. E em Vilar de Mouros, numa noite de autêntica tempestade, numa sala meio improvisada, boicotaram-nos a sessão, impedindo as pessoas de se aproximarem. Depois, à luz de candeeiros, fomos obrigados a falar exactamente para aqueles que estavam a impedir a nossa acção. E só então pudemos ir embora. A temperatura política estava em crescendo e aí por Junho de 1975, a distrital decide fazer um encontro, concentração no alto da Serra d’Arga, na Chão Grande, na Senhora do Minho. Enquanto subíamos a serra, Domingo de manhã, pela rádio dos nossos carros ouvimos afirmações bombásticas de Otelo Saraiva de Carvalho que, então desabrido, atirava: se não teria sido melhor ter eliminado umas centenas ou milhares de contra-revolucionários no Campo Pequeno, antes de serem eles a fazerem-no aos responsáveis da Revolução. Chegados ao alto, todos se entreolham. E logo o saudoso Leite de Castro, sempre ele, se dirige aos presentes com ar sério e preocupado, alertando para os perigos e para as lutas que ainda teríamos de enfrentar para sedimentar as promessas de Abril. E era verdade!

Foram tempos duros, mas o PPD soube responder e sempre esteve na linha da frente nos combates em prol da liberdade que procurávamos a todo o custo para Portugal. Em Ponte de Lima, embora apupados, em sala a rebentar pelas costuras, levámos a carta a Garcia, porque o então jovem Teófilo Carneiro tinha o contributo para a segurança de um grupo de bons ciganos. Ponte de Lima foi também notícia no momento em que a sede do PPD é assaltada e incendiada, ficando o Partido na expectativa do que viria a seguir. O confronto adivinhava-se na rua. Em Paredes de Coura, as coisas processavam-se quase na clandestinidade. E foi assim por muito tempo, pois os grupos de extrema-esquerda, embora pouco numerosos, eram muitíssimo activos.

Mesmo assim o PPD tinha boa implantação por aquelas bandas. Na passagem de uma gigantesca caravana, improvisámos um comício defronte da câmara municipal, servindo-nos de palco os capôs dos automóveis, sempre com um ânimo forte e ultrapassando as provocações que surgiam de todos os lados. Quase poderíamos dizer o mesmo de Melgaço. E em Monção, onde logo de início começou a pontificar o CDS, marcámos uma presença bem forte. No primeiro comício no cineteatro Repleto, obrigámos os contestatários a abandonar a sala, sob pena de serem expulsos à força. Mas em Monção aconteceu um outro momento de algum aparato, já aí por Fevereiro/Março de ’76. Por causa do futebol – sempre o futebol – o Desportivo de Monção teria sido prejudicado por desastrosa arbitragem e seria despromovido na hierarquia futebolística. Logo de seguida, no Domingo à tarde, todos se mobilizam para o centro da vila e não tardou em que, no edifício da câmara, se hasteasse a bandeira espanhola. E muitas outras pelas ruas à volta! Foi um escândalo. No dia seguinte, os comentários eram mais que muitos, fora e dentro do PPD, fora e dentro de Monção. O assunto chegou mesmo a aflorar-se na Assembleia Constituinte no período de antes da ordem do dia, com os deputados do distrito a pôr água na fervura. De novo o nosso deputado Leite de Castro, amigo mais preocupado que todos, pois o Presidente da Comissão Administrativa da Câmara era o nosso companheiro o senhor Samarão, também de saudosa memória, e temia-se que pudesse haver penalidades a aplicar. Mas logo tudo se abanou e aqui o PPD esteve por dentro desta forte movimentação. Nos Arcos, em Fonte da Barca e em Valença, à parte das pequenas tricas e as disputas locais, o calor próprio que se colocava na luta, tudo se foi processando com mais naturalidade, embora em Sardoal de Valença se viesse a registar um episódio que teve alguma relevância, depois sanado sem consequências de maior. Em Valença, também numa conturbada Assembleia Distrital do Partido (porque o Partido também é assim; continua hoje ainda a ser assim!), se contestavam e se confrontavam duas linhas antagónicas e uma delas apadrinhada, mais, seria aquela minoritária local, apadrinhada mais pelos órgãos dirigentes nacionais... Foi também um momento muito forte e que marcou a nossa passagem, a nossa presença, em Viana do Castelo. 

Algum tempo mais tarde surge o episódio das propostas da divisão da freguesia de Anha e a criação da freguesia de Chafé a que o PPD se opunha. Há uma autêntica guerra, um levantamento geral, com rebate de sinos, cortes de estradas, desfiles, manifestações e agentes do PPD/PSD à frente. Lembrar-se-ão que a calma só voltou quando as gentes de Anha, com a sua junta de freguesia a liderar, aceitou englobar como contrapartida a elevação de Anha a vila. Vila essa que, em princípio, deveria englobar todo o território e assim impedir o surgimento da freguesia de Chafé. Porém, este desiderato não pôde concretizar-se, porque o partido na Assembleia da República entendeu que seria ir longe demais.

Pelo distrito passaram todos os dirigentes nacionais do PPD em momentos de afirmação política: Sá Carneiro, Magalhães Mota, Pinto Balsemão, Mota Pinto, Emídio Guerreiro, Pedro e Helena Roseta, Amândio de Azevedo, Cunha Leal, Menéres Pimentel, Eurico de Melo, todos os outros, tantos outros... Tivemos o privilégio, que mesmo assim às vezes contestámos porque somos reivindicativos pela nossa terra, de terem sido cabeças de lista às eleições à Constituinte e à Assembleia da República, nomes como Leite de Castro, Oliveira Martins, o Lucas Pires, infelizmente todos eles já falecidos; Américo Sequeira, Castro Caldas, Silva Domingos e ainda João de Deus Pinheiro, Marques Mendes; e agora os outros a seguir já são mais recentes. Todos eles muito ajudaram na implantação do Partido e no desencravar de velhas aspirações do nosso distrito.

Ganhámos para o distrito com esta caminhada, alguma coisa. E aí está, por exemplo, o Instituto Politécnico de que este edifício faz parte, que é uma aposta e uma proposta do PSD, pois foi uma das novidades que apareceu no manifesto eleitoral do Partido quando se reacendeu a questão de uma universidade ou de um pólo da Universidade do Minho. Tivemos no então ministro João de Deus Pinheiro o apoio necessário para a concretização desse objectivo. E parece que a origem desta instituição de ensino se perdeu no tempo. Ela pertence por inteiro ao PPD/PSD. Outro tanto naquilo que se foi concretizando no ensino profissional e no ensino geral, apesar de tantas dificuldades.

Não esquecemos também a grande transformação que se verificou nas vias de comunicação, nas estradas, nas pontes, e até as modernas rotundas, pavilhões, e coisas que tais. Mas continuamos com a esperança de que a Europa venha ainda a reflectir-se com mais ênfase no nosso território.

Deixo duas notas e quase uma provocação sobre o que a Europa nos terá penalizado ao condenar à morte o nosso débil tecido industrial: na cerâmica, na indústria naval que não se modernizou, na indústria da transformação de madeiras que era um dos nossos filões, e até no campo agrícola, com a nossa organização ou desorganização minifundiária que não aguentou o embate, e ficámos mais dependentes e mais pobres nesses sectores – e ainda não reagimos com a força que se impõe. Temos e tivemos, nessa altura, o nosso companheiro Francisco Torres que muitas vezes cito: “vocês não se enganem, vocês não se enganem que a nossa terra vai ser uma terra de cabreiros. Cabreiros! Isto quer dizer, apascentação de cabras. Ele está aí e se calhar a rir-se interiormente desta nota, mas isto aconteceu. E aí fica também, digamos, estes dois pontos também aguardando a resposta dos nossos ilustres europeístas políticos.

Decerto que outros meus amigos, muito melhor do que eu poderiam relatar outros factos e outros momentos marcantes do nosso percurso, do nosso projecto colectivo. Limitei-me a lembrar alguns momentos mais duros, e até por isso mais sentidos, mas incumbiram-me dessa missão que aceitei por respeito para com todos quantos se envolveram neste projecto e também por isso mesmo estas notas tão despretensiosas e este repto aos sábios da causa europeia. Continuemos abraçados na social-democracia!

António Roleira Marinho, coordenador da Comissão das Comemorações dos 40 anos do distrito de Viana do Castelo. Intervenção realizada na conferência do ciclo A Social-Democracia para o Século XXI realizada em Viana do Castelo.

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