«Se isto não é o povo, onde é que está o povo?»
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25 Julho 2014
Distrito: Portalegre Autor: Clara Bacharel

«Se isto não é o povo, onde é que está o povo?»

O grupo que se reuniu logo após o 6 de Maio, data do anúncio do partido, fê-lo em casa do meu cunhado, Luís Bacharel, que infelizmente já não está connosco. Era um grupo de pessoas conhecidas, amigas, que partilhavam o mesmo tipo de ambições, o mesmo tipo de angústias relativamente ao País em que vivíamos. Queríamos uma sociedade diferente, sem as injustiças que sentíamos. Muitos de nós eram professores e sentíamos injustiças não só no campo material mas muito no campo cultural. As crianças que nos apareciam eram diferentes exactamente porque lhes eram dadas condições diferentes. Tudo isso mexia connosco.

Éramos um grupo com ideais e sonhávamos com um novo País. Um grupo que acreditou na Primavera Marcelista. Porquê? Porque alguns de nós tínhamos participado na universidade em 1962, em toda essa movimentação juvenil que nos abriu os olhos. Nós ouvíamos dizer que havia polícia de choque, mas nunca a tínhamos visto. E vimo-la na nossa frente! E foi assustador porque não havia televisão como agora, em que toda a gente conhece tudo e vê tudo. Para nós, só naquele momento, na Avenida de Roma – ainda tenho presente a imagem – quando os vi percebi o que aquilo era.

Portanto, percebi que não havia liberdade nesse movimento estudantil de 1962 em que eu e alguns dos que estavam naquele grupo participámos como simples pessoas. Não no aspecto de movimentar ninguém, mas participámos.

Estávamos ligados a movimentos, como o do Mundo Melhor, queríamos um mundo diferente e estávamos em movimentos ligados ao nosso pensamento cristão, que não nos permitia estar a olhar o mundo sem nada fazer. Tudo isso nos inquietava, inquietava-nos bastante o que se tinha passado com o Bispo de Nampula que, só por ter cumprimentado os pretos e os brancos, aconteceu o que aconteceu. De D. António Ferreira Gomes nem vale a pena falar, tudo isso eram motivos de conversa e motivos que nos levavam a estar inquietos.

Por isso, o 25 de Abril foi uma alegria estonteante para nós. Foi um dia maravilhoso!

E por isso tivemos de nos reunir logo que soubemos que havia um partido que estava a nascer. Conhecíamos o pensamento de Sá Carneiro, para nós o Expresso foi uma coisa maravilhosa de poder ler, sabíamos que era censurado, mas a coluna “O Visto” de Sá Carneiro era lida com atenção, nas entrelinhas. Não podíamos ficar parados porque não era no café que iríamos resolver, e queríamos ter actividade.

Esse pequeno grupo reunido na sala de jantar, em volta da mesa – éramos 10 ou 11 pessoas – reunimo-nos ali e não havia para nós dúvida, não havia para nós hesitação. Queríamos militar, queríamos ser militantes, transformar esse País, queríamos fazer tudo por uma sociedade diferente. Ali começou a base do Partido.

De seguida, éramos recebidos em Lisboa pelo Dr. Sá Borges e Alexandre Bettencourt; recebiam-nos muito carinhosamente porque nós éramos alentejanos e ser alentejano era qualquer coisa que se notava. Éramos acarinhados no Partido.

No dia 28 de Setembro, para verem a diferença que houve entre o distrito de Portalegre e o de Évora... Évora não tinha gente para ir fazer uma sessão de esclarecimento no Redondo e vem pedir a Portalegre ajuda. Daqui vai o meu marido, vai o Trindade de Elvas e um senhor de Setúbal, o Cobra. Chegamos ao cineteatro do Redondo e sentimos a diferença do que havia no nosso distrito, pelo menos do que havia na parte norte do distrito e ali em Évora. Eles estavam sentados no palco com o José Manuel Portas, tio dos Portas, que depois foi para o Brasil, e que era a pessoa de Évora presente, e iniciaram a sessão com o cineteatro cheio. Em menos de dez minutos estava acabada a sessão.

Com os slogans, porque era a sua única forma, eles conseguiram fazer tal barulho – imaginem como estavam, pois era dia 28 de Setembro – que levantaram o teatro cheio de gente e nós ficamos sozinhos. A primeira vez pensei “isto é sério!”, “eles não nos querem mesmo” e isto vai ser sério. E começou a ser porque as sessões de esclarecimento iniciaram-se pela zona norte da Serra de São Mamede e eram sessões de esclarecimento muito acolhedoras, à luz do candeeiro de petróleo, na escola primária dos Mosteiros, nas carteirinhas das crianças, mas íamos caminhando para sul e esse acolhimento já não era o mesmo. Em Cabeço de Vide, na Casa do Povo, fazíamos a sessão e na sala ao lado gritava-se e cantava-se o Avante. Não conseguíamos sequer falar e não se iniciou sequer a sessão.

Isto aconteceu em muitos locais do nosso distrito e foi complicada a implantação do Partido aqui, mas movia-nos uma tal vontade, éramos tão ingénuos que eu vou contar uma coisa que não posso deixar de aqui fazer referência.  Querido Professor Caldeira, nosso companheiro desde o primeiro dia, com aquela sua maneira de ser, dizia no fim de cada sessão “vão ouvir todos para depois poderem escolher em consciência”. Claro que isto era ingenuidade, e desculpe Professor Caldeira, mas era ingenuidade. Destas podíamos contar muitas.

Depois veio o nosso slogan, que cantávamos por Lisboa fora: “se isto não é o povo, onde é que está o povo”, recordam-se? Este slogan ajudou-nos muito e o Professor Caldeira – e eu estou-me a lembrar porque íamos muitas vezes a sessões juntos – começa a explicar de uma forma extraordinária a nossa diferença do Partido Socialista, porque já víamos a forma de actuar do Partido Socialista aqui no distrito... Os comunistas faziam os slogans, mas os socialistas actuavam de outra maneira e o Professor Caldeira começa a dizer “nós queremos chegar à mesma coisa que eles, à social-democracia, simplesmente temos um lago em frente e para chegarmos ao outro lado vamos contornar esse lago e eles querem ir já a direito e vão-se afundar”. Iam-se afundando eles e iam afundando o País.

Não posso esquecer quando na primeira Assembleia Municipal, carregada de socialistas, quatro PSD, quatro ou cinco PCP, a população do Sovete pediu uma capela. Os socialistas gozaram com o pedido da capela e nós, do PSD, defendemos o pedido. O PCP, com a sua táctica e habilidade, pela voz do Dr. Menezes, levantou-se e começa a dizer “a saúde do corpo e a saúde da alma são tão importantes…” e por ali fora. O PS teve medo de perder os votos e quando chegou à votação, votou a favor. E ainda hoje lá está a capela no Sovete. É para ver como as coisas funcionavam nessa altura.

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